O racismo
institucional — sistema de desigualdade racial que pode ocorrer
em instituições como empresas e universidades — ainda é um assunto velado,
até mais do que o puro e simples preconceito. Em um país como o Brasil, um dos
últimos a abolir a escravatura (há apenas 129 anos), sistemas inclusivos ainda
são questionados por boa parte da população, que insiste em ver na meritocracia
a única forma justa de vencer na vida. Ignora-se todo um conceito histórico e
ressaltam-se casos isolados para tapar os olhos de algo que, infelizmente,
ainda é tão latente na nossa sociedade.
Se
no Brasil o silêncio predomina quando falamos em racismo, nos EUA as discussões
andam cada vez mais inflamadas, ultimamente ampliadas pelo movimento
internacional Black Lives Matter, focando na violência
policial e judicial direcionada aos negros. Por tudo isso, a nova série da Netflix, Cara Gente Branca (Dear
White People), aponta de forma direta, irônica e dura o que é viver num
mundo em que a cor da pele é determinante em inúmeras situações da vida.
Criada
por Justin Simien e baseada em seu filme homônimo, Cara Gente
Branca deixa de lado o tom didático, ainda que exemplifique diversas
situações e mostra a realidade de negros dentro de uma universidade de “elite”
que se diz igualitária, mas que segrega nos pequenos detalhes. Tudo isso é
mostrado com uma boa dose de humor, mesmo quando o discurso é um tiro certeiro.
Ao mesmo tempo, quando a série foca no drama, faz isso de maneira exemplar.
Afinal, não há graça no preconceito. Cada personagem tem seu
protagonismo ao longo dos dez episódios e a série vai mostrando o envolvimento
de cada um deles dentro daquele espaço, permitindo que os roteiristas incluam
diversas situações, com diferentes níveis de problematização.
A série não tem a menor preocupação
em educar os brancos, mas mostrar e analisar as consequências.
Se
no início temos Samantha White (Logan Browning) empoderada e líder do
movimento, mais para frente também conhecemos Coco Conners (Antoinette
Robertson), uma garota que sofre racismo desde criança, mas que ao invés de
gritar, prefere se adaptar ao mundo branco e lutar de outra forma. Ao focar em
personagens diferentes e com diversos conflitos e polarizações (Sam sofre uma
resistência do movimento por ter a pele um pouco mais clara, por exemplo), a
série consegue dar um respiro na história ao não apresentar personagens negros
unidimensionais, que simplesmente sofrem nas mãos do racismo.
Blackface,
prática abominável em que pessoas pintam o rosto para representar negros, é o
ponto de partida para as discussões de ‘Cara Gente Branca’. Foto: Divulgação.
Inteligentemente, Cara
Gente Branca também não vilaniza seus personagens brancos. Eles
estão lá, são até engraçados e até dizem uma ou outra coisa coerente, mas
esta história simplesmente não é deles. Outro grande acerto é mostrar a
estereotipização dos brancos e dos próprios negros perante outros grupos, como
os asiáticos e o movimento LGBT, ou abordar possíveis exageros da militância (“Game
of Thrones, aquela série com dragões e nenhum branco?”, diz um personagem).
A série também não tem a menor preocupação em educar os brancos (e eu me incluo
nessa audiência) sobre o racismo, o que é e como não fazê-lo, nem convencer o
público branco de que o racismo existe, mesmo que ainda haja um número absurdo
de pessoas que insistam em negá-lo. Ao contrário, Cara Gente Branca mostra
e analisa as consequências do preconceito.



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